
A MORTE DE DOMINGOS RAMOS EM MADINA DO BOÉ – A VERDADE DOS FACTOS: ENTRE O REAL E A FICÇÃO
Para enquadrarmo do tema da morte do Cmdt da Frente Leste Domingos Ramos, ocorrida a 10 de Novembro de 1966, em Madina do Boé, deve-se realçar o facto do Dr. Virgílio Camacho Duverger, médico cubano, ter chegado a Conacri em Junho de 1966, integrado num contingente de cerca de três dezenas de elementos, entre os quais oito médicos.

É colocado no Hospital de Boké, aonde permaneceu dois meses, sendo depois transferido para a Frente Leste, Agosto de 1966, para uma base existente no interior da República da Guiné, na Região do Boé, com o objectivo de construir uma enfermaria de campanha que pudesse servir de apoio aos combatentes aí colocados sob a direcção do Cmdt Domingos Ramos, cuja principal missão militar era atacar o quartel de Madina do Boé até à exaustão, visando a expulsão das NT, o que veio a acontecer dois anos e meio depois, em fevereiro de 1969.
Ao terceiro mês de estar naquela Região, Novembro, é-lhe pedido que realize um reconhecimento ao referido quartel, considerada por si como a missão mais importante em que participou, tendo por companhia o Dr. Milton Echevarria, médico do seu grupo na Frente, e o apoio de guias/guerrilheiros destacados para aquela acção, caminhada que, disse, demorou perto de cinco horas, uma vez que a base estava a cerca de três quilómetros dali.
Em 10 de Novembro de 1966, uma Quarta-feira, a operação concretizava-se. Antes do ataque, na companhia de um enfermeiro cubano anestesista que havia chegado para reforçar o grupo de saúde, criou um posto sanitário avançado em território da Guiné-Bissau, perto da zona do combate, de modo a facilitar a assistência médica e a prestar os primeiros socorros aos combatentes que ficassem feridos, pois não era fácil chegar ao hospital de Boké.
Conta que a primeira morteirada lançada pelos portugueses [da CCAÇ 1416] cai, por casualidade, no local aonde estava o posto de observação no qual se encontrava o comandante da Frente, o guineense Domingos Ramos. Os estilhaços da granada atingem-lhe o abdómen causando-lhe uma ruptura hepática violenta.
Este episódio é descrito pelo assessor militar cubano Ulises Estrada [1934-2014], pois encontrava-se a seu lado, nos seguintes termos:
“Eu encontrava-me ao lado de Domingos Ramos, em que metade do seu corpo cobria o meu para proteger-me, coisa que não pude evitar, e abrimos fogo com um canhão B-10 colocado numa pequena elevação situada a cerca de seiscentos metros do quartel. Os portugueses [CCAÇ 1416] tinham montado postos de vigia na zona e responderam com disparos certeiros de morteiro, embora nós continuássemos a disparar com o canhão sem recuo, metralhadoras e espingardas.
“Pouco tempo depois de iniciado o combate, senti que corria pelo lado direito das minhas costas um líquido quente e pensei que estava ferido por uma das morteiradas que caíam ao nosso redor. Era Domingos Ramos, sangrava abundantemente. Peguei no seu corpo com a ajuda de outro companheiro e o conduzimos ao posto médico, situado a cem metros da zona do combate. O médico cubano Virgílio Duverger informou-me que havia falecido.
“Não podíamos deixar o cadáver do dirigente guineense nas mãos dos portugueses. Pegámos no seu corpo e num camião nos deslocámos pelos campos de arroz até à fronteira com Conacri. Chegámos a Boké, aonde se encontrava o posto de comando fronteiriço, e entregámos o seu cadáver ao companheiro Aristides Pereira, para que pudesse fazer o funeral e render-lhe as honras que merecia este combatente, que foi um dos primeiros grandes chefes do PAIGC a morrer em combate”.